sexta-feira, 17 de maio de 2013

Algumas abordagens do Estudo Analítico do poema, de Antonio Candido

a poesia não necessariamente precisa ser feita em versos metrificados. Pode haver poesia em verso livre, poesia em prosa. A eficácia poética é devida à sua tradução em um sistema adequado de palavras que dêem a impressão de experiência, de algo vivido, sentido, e não de um raciocínio. Olhe esse soneto de Antero de Quental: 
                                                              Na floresta dos sonhos, dia a dia,
                                                              Se interna meu dorido pensamento;
                                                              Nas regiões do vago esquecimento
                                                              Me conduz, passo a passo, a fantasia.

                                                              Atravesso, no escuro, a névoa fria
                                                              Dum mundo estranho, que povoa o vento,
                                                              E meu queixoso e incerto sentimento
                                                              Só das visões da noite se confia. 


                                                              Que místicos desejos me enlouquecem?
                                                              Do Nirvana os abismos aparecem
                                                              A meus olhos na muda imensidade!

                                                              Nesta viagem pelo ermo espaço
                                                              Só busco o teu encontro e o teu abraço,
                                                             Morte! Irmã do Amor e da Verdade!

O poeta traduziu como se fosse uma experiência captada e vivida no plano dos sentidos. O pensamento se transpôs em experiência, se traduziu em palavras que exprimem uma forte capacidade de visualizar, ouvir, imaginar. Quando
O comentário sobre um poema consiste em esclarecer os elementos necessários para o entendimento do poema, é como uma tradução. Para fazer a interpretação é importante que não sejam emprestadas à obra ideias pessoais, sentimentos, ou qualquer outra coisa da sua sugestão. É preciso extrair o que está contido na obra. A análise consiste em que abranger dados históricos, filológicos, fonéticos, semânticos, chegando ao pormenor das minúcias.
A sonoridade do poema pode ser muito perceptível, ou discreta a ponto de nem ser notada. Será que existem sons que nos remetem determinadas sensações? Vamos supor... se eu apresentar esses dois versos:
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
                                        (Gonçalves Dias)
Perceba a aliteração, o uso frequente da consoante T.  Teria o T um valor expressivo de frear, demorar, retardar contribuindo assim para a composição do poema? Leia os versos em voz alta, e veja como ao pronunciar essa consoante, a língua encosta nos dentes, e faz um tipo de "pequena explosão", é como se você segurasse o ar um tempo, e soltasse tudo de uma vez. O T, por esse motivo, é classificado como oclusivo ou plosivo (por causa dessa explosão) e dental (porque a língua encosta na parte de trás dos dentes superiores). Não parece fazer sentido o uso do T nesses versos? Como se o ar não passasse tão facilmente na pronúncia, como se em cada pequena explosão, tivesse um retardamento.
Esses recursos sonoros constituem recursos tradicionais da poesia metrificada. Psicólogos defendem que a leitura é acompanhada de um esboço de fonação e audição, de tal forma que nós representamos mentalmente o efeito visado pelo poeta.
No poema Pesadelo, de Eugênio de Castro, apresentado abaixo, há uma quantidade de rimas muito grande, com assonâncias, aliterações, acumuladas quase de forma delirante, para sugerir a atmosfera e as sensações do sonho. Veja:
Na messe que enloirece estremece a quermesse,
O sol, o celestial girassol, esmorece
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos.
Bom... mas nem todos pensam assim. Existe um linguista, chamado Saussure que acredita que não há nada no som das palavras que o ligue ao objeto. Por exemplo:
Não há nada nas letras m-a-r, juntas, que nos remetam à ideia de uma grande quantidade de água, com ondas, etc. Poderia de chamar de qualquer outra forma...é apenas uma convenção social. Outro exemplo muito bom é das onomatopeias. No Brasil, representamos o latido do cachorro como "au au", mas em outras línguas é representado como "arf arf" ou "woof woof", e o animal emite o mesmo som em todos os países. Para Saussure, o som não corresponde ao conceito. Logo, a expressividade do som se sustenta dificilmente.
É uma boa teoria. Mas, os poetas usam constantemente esse recurso e possuem resultados positivos. Dámaso Alonso, poeta, acredita no oposto: que um som mobiliza inúmeras áreas da rede psíquica do ouvinte.
Os fonemas podem carregar uma expressividade (retardamento do tempo, alegria, obscuridade, etc), mas pra isso acontecer de forma total, é preciso um contexto, cujo acúmulo e combinação definem o rumo geral da expressividade.
A rima, tem como principal função criar recorrência do som de modo marcante, estabelecendo uma sonoridade contínua e perceptível no poema. O ritmo, por sua vez, é uma forma de combinar sonoridades. É a alternância de sons breves e longos, graves e agudos, fortes e fracos,  som e silêncio. No ritmo, o importante não é cada fonema, cada som específico, e sim, o conjunto de todos os sons, os efeitos que provocam, etc.
Aos poucos, irei postando mais coisas sobre o verso poético, figuras de linguagem, etc. 

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