sábado, 8 de junho de 2013

epodo 12 Horácio

Que desejas, de escuras trombas a mais digna?
Por que me envias dons, por que a mim cartas,
sendo eu jovem não firme nem de nariz grosso?
Sim, farejo com bem mais agudeza
fétido bode ou pólipo em peluda axila
que um cão de fino faro, oculto o porco.
Que suor, que mau cheiro, nesse pelancudo
corpo, por toda parte aumenta, quando,
com meu pau mole, corre a saciar o indômito
furor! Úmida argila e cor das fezes
de crocodilo obtida já não dura, e ainda
no cio sacode o leito e a cobertura
ou quando incita a náusea com cruéis palavras:
"Co'Ináquia broxas menos que comigo;
Ináquia, três por noite, comigo és sempre
mole p'ra uma só. Morra Lésbia mal,
que a mim, buscando um touro, mostrou-te, impotente,
quando Amintas de Cós estava a mão,
cujo membro em virilha indômita é mais duro
que árvore nova fixa nas colinas.
A quem velos de lã retingida com tíria
púrpura preparavam-se? A ti, claro,
porque não haja entre os convivas um igual
que sua mulher amasse mais que a ti.
Ah, não sou feliz; foges de mim como teme
cordeira a feroz lobo e a leão cabra".

comentário: É o seguinte... lembra que eu já falei que o helenismo eles não faziam poemas soltos, etc? Eles tinham controle editorial, relacionavam um poema com outro, uma parte do livro com outra. É isso que Horácio fez. É assim, no poema onze, ele diz o seguinte: o poeta amava Ináquia, uma moça. Mas depois, ele pára de ficar com ela, e fica com um cara chamado Licisco. E fala que só vai deixar o Licisco se aparecer coisa muito melhor...tipo uma moça radiante, ou por um cara bem torneado. Só que não é isso que ele faz! Ele fica com uma velha muito acabada...é totalmente o oposto do que ele queria: não é radiante nem nada, é velha, não tem toda aquela vivacidade...e ele mesmo fala da flacidez dela, então também não corresponde à expectativa de definição no corpo. Os poemas se relacionam: o 12 retoma a ideia do 8 porque falam da velha, e o 11 se relaciona com eles, já que mostra um pouco como essa mulher apareceu em sua vida. 

Nesse poema, ele fala que ela é digna de tromba. Por quê? Primeiro, porque ela é ninfomaníaca (deu pra perceber quando ele fala que é insaciável), e de tanto fazer sexo, sua vagina está muito larga. Também tem outra interpretação, que eu acho genial: há pessoas que dizem que os elefantes fazem sexo sem contato visual, ou seja, essa mulher tem que se relacionar com alguém como um elefante, porque se alguém olhar pra ela na hora H, não vai sair nada, de tão feia que ela é. Daí ele fala mais características dela... que é fedida como um bode, por exemplo. Ele diz que tem um olfato apurado, e que pra ele então, o cheiro é pior ainda. Esse negócio que ele fala de argila e fezes de crocodilo, seriam máscaras de beleza (que não durariam em seu rosto já que ela sua demais). Daí, é como se a velha começasse a falar, dizendo que com a Ináquia, ele durava muito mais. E que a culpa dela estar com esse fracote é da Lésbia, que influenciou ela a trocar um cara que dava conta de seus desejos por um fracote.

epodo 11 Horácio

Nada me agrada, caro Pétio, como Dantes,
versinhos escrever, por violento amor ferido;
amor que a mim me solicita, mais que a todos,
p'ra envolver-me em chamas por delicado moço a moça.
Três dezembros se foram - desde que deixei
de endoidar por Ináquia - a despojar do bosque o adorno.
Ai, quando fui (pois mal tamanho me envergonha)
pela cidade assunto, e me arrependo dos banquetes
em que minha molícia e silêncio e suspiros
tirados do imo peito denunciaram a mim amante.
"De nada vale contra a riqueza o carácter
inocente de um pobre", chorando, a ti me lamentava,
ao passo que impudente deus, ao me aquecer
com mais ardente vinho, os meus arcanos arrancou.
"Pois se a bile ferver, livre, em minhas entranhas,
porque aos ventos disperse estes não gratos lenitivos,
que funesta ferida nada suavizam,
deixará de lutar com desiguais, expulso, o pejo".
Quando, austero, louvara isto defronte a ti,
mandado a ir à casa, era levado por pé incerto,
ai, para portas não amigas, ai, e para
limiar resistente em que quebrei o flanco e o lombo.
Agora me detém o amorio de Licisco,
que em doçura se gaba de superar qualquer mulher;
dele não podem me livrar os mais sinceros
conselhos dos amigos nem as pesadas contumélias,
mas outro ardor ou por menina radiante
ou por bem torneado moço que solta longa coma.

comentário: Então, ele amava Ináquia, mas era um amor secreto...e ele acabou contando tudo quando ficou bêbado. Ela preferiu um homem rico. Ele chegou a dormir na porta da moça, e até quebrou uns ossos (puro exagero, claro... ele falou isso pra provocar risos). Depois, o poeta começou um amor com Licisco. Disse que só o deixaria por moça radiante ou homem bem torneado.
Detalhe: quando ele fala que virou assunto na cidade, a gente tem de novo aquela ideia da poesia que imortaliza (mas no caso, de forma negativa). 



epodo 8 Horácio

Inda perguntas, pútrida de longo,
o que enfraquece os meus colhões,
quando tens dente preto e uma velhice antiga
escava teu rosto com rugas
e se abre na mirrada bunda torpe fosse,
qual cu de vaca diarréica!
Mas teu peito e teus seios me excitam,
tal como as tetas de uma égua,
e a flácida barriga e as coxas macilentas
à inchadas pernas unidas.
Sê tu feliz, e que as imagens triunfais
ao funeral, ao teu, precedam,
nem haja esposa que caminhe carregada
de perlas mais arredondadas.
Quê? Porque o livrinho estóico adora se deitar
nos coxinzinhos de cetim,
meus iletrados nervos menos se enregelam?
E menos broxa o caralhaz?
P'ra que o convoques das virilhas arrogantes,
deves co'a boca trabalhar.

comentário: Então, ele começa descrevendo a velha: feia, com o rosto coberto de rugas, bunda mirrada e com diarreia constante. Nessa época, a bunda era uma parte do corpo valorizada, assim como as pernas... sabe o Odisseu, que é mencionado nos livros como o "varão astucioso"? Pois é. A deusa do amor, também era chamada de "bela bunda". Já que a poesia iâmbica vitupera as pessoas, nada melhor do que rebaixar as pessoas usando essas partes que valorizadas na época. Então, eles falavam que certa pessoa tinha pernas feias, sujas e que a velha tem bunda caída e mirrada, etc. Ele, depois, deseja a morte da velha. Quando descreve seu funeral, fala de imagens, enfeites...o que traz a ideia de que ela é alguém rica e poderosa.

Mas aí vem a parte legal: ele fala de um livrinho estóico que ela põe na cama. Esse livro é  de filosofia, mas não é qualquer filosofia. Ela é daquele tipo que considera o amor uma doença, loucura. Então é o seguinte: ESSA VELHA É TUDO DE RUIM. Ela é acabada pra caramba, não atrai ele nem um pouco, e ainda por cima lê um tipo de filosofia completamente broxante. Mas ela não lê escondida, de tal forma que só ela saiba...ela deixa lá na cama (pra tentar pagar de culta...de que lê filosofia), mas tem um efeito contrário, porque ela acaba sendo totalmente inadequada. Daí, ele ainda fala o seguinte: "De quê adianta você ler tanto, se o que tem por fora não me excita? Não é o seu conhecimento que vai convocar meu caralhaz". E no penúltimo verso ele ainda usa uma ironia básica: arrogância geralmente nos faz pensar em alguém "nariz empinado", que olha as pessoas do alto...mas o pênis dele não tem como ser arrogante, já que não pode olhar do alto porque não consegue ficar ereto.

No fim, ele diz pra ela fazer sexo oral, que seria a única forma de resolver o problema...porque ele não teria que olhar seu rosto e todo o resto.
Já tratamos de Arquíloco, Hipônax, Calímaco, agora vamos falar de Catulo com mais detalhes. Ele fez um poema com 116 iambos, divididos de tal forma:

do 1 ao 64: multiplicidade de metro, polimetria
do 64 ao 116: monométrico (dístico elegíaco).

Ao escrever ele usa a expressão Carmina Battiadae, tanto no início quanto no fim da segunda parte do livro, e essa expressão se refere a Calímaco. Ou seja, ao usar esses termos, ele mostra qual poeta tomou como modelo principal.

O poema 40 de Catulo é escrito em hendecassílabo falécio, porque esse metro foi usado por Calímaco em seu 14º poema. Seus poemas que possuem a palavra "iambo" são escritos em hendecassílabos. Aqui, mais uma vez ele mostra seu modelo. Ele não usa nem o coliambo nem o trímetro iâmbico, pois seus modelos não são Hipônax nem Arquíloco.

No seu poema 16 ele faz invectiva a dois homens, que são caracterizados como bicha e chupador. Estão sendo criticados porque fizeram leitura biográfica dos poemas de Catulo, ou seja, como se ele estivesse retratando sua vida particular. O poeta então diz que ele próprio deve ser correto, honesto, probo, mas que a poesia é livre, e que o vocabulário usado, e os temas abordados são pensados de tal forma para produzir o riso, já que esse é o intuito da poesia iâmbica, que é uma poesia baixa. Além disso, ele diz que esse tipo de poema não é escrito pra qualquer tipo de pessoa. É escrito pra pessoas maduras, não é o tipo de poema que se lê com um irmãozinho, filho ou algo do tipo. É para adultos, pessoas mais velhas. Pode-se perceber então, que Catulo critica os dois homens que fizeram a leitura biográfica, é como se ele, por seus argumentos, estivesse dizendo que eles são imaturos ainda para perceber o propósito dessa linguagem e tema, que fazem uma leitura infantil. A poesia é programática, tem um modo certo para ser lida.


No poema 36, Catulo critica um poeta que escreve demais. Ele faz parte da escola Calimaquiana, ou seja, preza a brevidade (não sei se já mencionei, mas Catulo diz que "um grande livro é um grande mal", ele é contra aqueles livros imensos). Esse poema é feito a um poeta chamado Sufeno. Esse cara tinha muito dinheiro, seu material era todo de primeira, tinha coisas de ouro..e ele não economizava nada. Escrevia livros muito grossos. Então, o poeta vai e critica...falando que ele é metido, que quer mostrar tanto que tem dinheiro para esbanjar mas que não cuida de seus versos, que escreve poesia ruim e sem conteúdo. Aqui, dá pra ver tanto a crítica aos livros extensos, quanto aquela ideia típica da poesia iâmbica de que o poeta é pobre...que ele não acumula bens, não é vicioso, e por isso tem moral para criticar os outros.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Retomada breve de Calímaco e algumas características básicas de Catulo

Calímaco foi um poeta helenístico. Escreveu que "um livro é um grande mal", o que carrega tanto a informação da composição em livros, quanto a ideia de que brevidade é uma virtude do poeta. Ele mesmo escreveu um livro de iambos. Logo no primeiro iambo, ele usa a fábula dos sete sábios, já utilizada por Hipônax. Porém, ele usa uma versão diferente do mito, mais desconhecida, provando assim que não só ele conhece a tradição iâmbica, como também conhece o mito. Apesar de Hipônax ser seu modelo maior, Calímaco faz utilização de fábula no segundo iambo, que é uma característica marcante de Arquíloco. Isso mostra a mistura de poetas em sua composição, presente fortemente no helenismo, além de acrescentar em seu livro de iambos poemas etiológicos e epinícios. Um grande exemplo dessa mistura é a própria Eneida, que no canto IV, misturou diversos gêneros como a tragédia, elegia, epigrama, mélico. Voltando ao seu primeiro iambo, Calímaco diz que "não cantará a luta contra Búpalo", ou seja, não fará uma poesia tão agressiva. E isso é evidenciado ao longo de seu livro: ele começa com invectiva, passa para conselho, depois faz um elogio oblíquo, e depois faz um louvor propriamente dito. Isto tem relação com a composição doce e leve do helenismo, que pode ser exemplificada com Apolônio de Rodes, que deu uma dimensão maior ao amor na epopeia ao cantar os amores de Jasão e Medeia. Calímaco parecia prever as críticas que surgiriam, por isso elaborou o 13º iambo como se fosse uma defesa, dizendo que nada daquilo que compõe é original, que apenas imita. Diz que se inspirou em Íon, que compôs tragédia, elegia, comédia, e outros gêneros. Calímaco é um típico poeta helenístico, é versátil. Ele transforma qualquer matéria em poesia, e isso nos faz recuperar a ideia dos helenísticos que compunham sobre agricultura, astros, com o seguinte argumento: o verdadeiro poeta não é aquele que compõe sobre temas naturalmente poéticos, e sim aquele que transforma em poesia os temas que não são.
-Livro de Calímaco: a primeira parte em coliambos, monométrica. A segunda, com variedade de metros.

*Há divergência sobre quantos poemas havia no livro de Calímaco. Alguns dizem 17, alguns dizem 13.
De qualquer forma, no 14º poema do livro, o metro usado é o hendecassílabo falécio.

Catulo toma Calímaco como modelo, e sempre que se referir a iâmbos, usará esse tipo de metro, para mostrar que seu modelo é ele, e não Hipônax nem Arquíloco.
-Seu livro também foi dividido em duas partes: a primeira, com multiplicidade de metros, a segunda, em dístico elegíaco. Para reforçar a ideia de Calímaco como modelo, ele usa a expressão "poemas de Batíada" tanto no início quanto no fim da segunda parte de seu livro, enfatizando sua influência.


terça-feira, 28 de maio de 2013

iâmbica e mais detalhes

Bom, vamos retomar ideias dos poetas iâmbicos, acrescentar mais coisas e fazer algumas relações. Como vimos, Arquíloco foi o inventor do gênero iâmbico, quando tomado pela raiva faz uma poesia agressiva contra Licambes, que rompeu o pacto em que daria a mão de sua filha Neobula em casamento. Hipônax se assemelha a ele, já que faz uma invectiva contra Búpalo, um escultor que o retrata mesmo contra sua vontade. Os dois se assemelham no propósito da poesia, que é a morte e difamação do adversário, porém, Arquíloco faz a poesia contra um homem comum, um pai de família, e Hipoônax fala contra um artista: aqui, tem-se uma ideia de metapoética, porque é a arte falando da arte. Hipônax, por falar de arte, e também por ser o inventor da paródia (que rebaixa um gênero, matéria, pessoa, etc) é caro aos helenísticos, que passam a tomá-lo como um modelo. Os helenísticos se enxergam em Hipônax, como se ele fosse um deles, só que num tempo anterior. Tanto que o caracterizam caracterizam como "poeta bebedor de água", porque domina a técnica, não é inspirado pela Musa, não "sai de si" como poetas igual Homero, que é "bebedor de vinho". No helenismo, o "rebaixamento" também é forte característica, já que na própria Eneida, canto IV, há uma mistura grande de poetas e gêneros como o epigrama, trágico, mélico. Apolônio de Rodes, nas Argonáuticas (epopeia de quatro cantos) dedicou um canto para cantar o amor de Jasão e Media. É o intuito de fazer uma poesia menor, mais leve, breve. Calímaco, que é um poeta helenístico escreveu que "um grande livro é um grande mal" que traz duas ideias importantes: a composição, a ideia de escrever em livros presente no helenismo, e a ideia de não escrever um livro grande, extenso. Ele próprio escreveu um livro de iambos. Diferente de Arquíloco e Hipônax, seus poemas foram organizados por ele próprio em forma de livro: o poeta tem controle editorial (assim como na Eneida, em que o fim do canto III coincide com a noite, e o início do canto IV com o dia. O fim do dia coincide com o fim do canto). Calímaco, por ser helenístico, tem como modelo maior Hipônax. Porém, no 2º iambo de seu livro, ele usa a ideia de fábula presente nos iambos de Arquíloco, a ideia de comparar os animais às pessoas por causa de determinadas características. Calímaco, ainda usa em seu livro epinícios, poemas etiológicos, trazendo uma ideia de mistura de gêneros, típica do helenismo. E apesar de ter Hipônax como modelo maior, ao fazer invectivas, ele não é tão duro. Tanto que em seu primeiro iambo, em que há a "ressuscitação de Hipônax", diz que "não canta a luta contra Búpalo", ou seja: não levará seu inimigo à morte, é mais doce (assim como no helenismo há um espaço maior pro amor na épica, tentando assim deixar a poesia mais leve). Logo no primeiro iambo ele anuncia sua intenção, que é evidenciada ao longo do livro: começa com invectiva, passa para conselho, depois passa para um louvor oblíquo, e depois para um louvor propriamente dito. No fim de seu livro, ele prevê futuras críticas em relação à mistura de gêneros que faz, e se defende no iambo 13, dizendo que apenas emula, que sua composição é uma imitação da de Íon (que compôs tragédia, comédia, elegia, mélica), mostrando assim que é um poeta versátil, que transforma qualquer matéria em poesia. Assim como os helenísticos faziam poesia sobre astros, agricultura, para mostrar que poeta de verdade não é aquele que escreve sobre temas poéticos, mas que transforma os não poéticos em poesia.